N o século XIX, São Luís foi o cenário de uma grande história de
amor. Um verdadeiro amor. Do tipo de amor que atravessa a vida inteira e vai
além. Gonçalves Dias e Ana Amélia viveram uma dolorosa historia de
amor. Um amor correspondido, mas irrealizado. Muito amor e algumas
possibilidades não exploradas. Ou, talvez, tenha faltado uma boa dose de
coragem para ultrapassar os obstáculos?
Gonçalves Dias, filho de um comerciante português e uma brasileira
mestiça. Ele tinha orgulho de carregar o sangue de bravas gentes.
Descendia de negros, índios e brancos. Dedicou-se intensamente aos estudos.
Estudou latim, francês e concluiu o curso de Direito na
Europa, em Portugal. Sentindo-se longe de casa, de sua terra tão querida e
vivenciando o Romantismo, escreveu a “Canção do Exilio”, entre outros tantos
poemas: (...) “Não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para
lá; Sem que desfrute os primores que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as
palmeiras, onde canta o Sabia”. Quanto sentimento há nesse poema,
quanta saudade! Pouco tempo depois de sua graduação, voltou para o
Brasil. O Rio de Janeiro foi sua morada, onde exerceu os ofícios de
professor, jornalista, advogado, teatrólogo e outras funções públicas. Um homem
inteligente, cheio de predicados.
Em São Luís, entre idas e vindas, viu Ana Amélia pela primeira vez. Encantou-se com sua doçura, sua meninice... Uma menina que guardava o rosto da mulher a quem ele amaria por toda a vida. Gonçalves Dias voltou para o Rio e os muitos compromissos fizeram adormecer o encanto que sentira. Cinco anos depois, por motivo de trabalho, voltou ao Maranhão e reencontrou Ana Amélia. A menina se tornara uma bela mulher. Em seus olhos, ainda havia o brilho que encantara Gonçalves Dias. O encanto transformou-se em paixão. E inesperadamente o amor chegou.
N esse tempo, as mulheres
não tinham nenhuma liberdade. Nem mesmo para os estudos. Quase sempre
tinham aulas em casa. As moças de famílias ricas, além das aulas de francês
e piano, aprendiam a ler e escrever. E desde muito cedo, eram ensinadas sobre a
maternidade e o papel de esposa, pois no início da adolescência preparavam-se
para casar. Seus espaços de convivência social resumiam-se às missas
dominicais. Era o momento mais esperado. Um momento de encontro, onde as mulheres
tinham a sua hora de “liberdade”. Perfumadas e sempre com seus vestidos até os
pés, lindos chapéus, flores, rendas... Tinham a intenção de impressionar. A
proximidade permitia os olhares, as conversinhas discretas ao pé do ouvido e a
troca de bilhetes. Além das missas, restavam as sacadas de janelas. Os rapazes
passavam e acenavam. Assim, os amores aconteceram. Assim, aconteceu com
Gonçalves Dias e Ana Amélia. Durante o tempo em que ficou no Maranhão, eles
namoraram às escondidas. Sem dúvida, a formalidade dos namoros arranjados era
muito menor do que o desejo de estarem juntos. Dos encontros, do desejo e do
amor nasceram lindos poemas. No poema, “Seus olhos”, traduziu todo o encanto
que sentira no olhar de sua amada: “Eu amo seus olhos tão negros, tão
puros, de vivo fulgor; seus olhos que exprimem tão doce
harmonia, que falam de amores com tanta poesia, com tanto pudor”. Ana
Amélia não imaginava mais a vida sem ele, sem o seu amor, sem os seus poemas.
Gonçalves Dias partilhava do mesmo sentimento. Queriam uma vida juntos. A família de Ana Amélia tinha muita admiração pelo poeta e,
ele, confiante de que daria tudo certo, decidiu pedir permissão para casar-se
com ela. Para sua surpresa, a família negou fortemente o seu pedido. Apesar da
grande estima, o preconceito falou mais alto. Triste preconceito. Não queriam
que ela tivesse um marido mestiço. Eles tinham outros planos para Ana Amélia.
Não é difícil imaginar o tamanho da tristeza que os invadiu. Ana Amélia estava
disposta a fugir com Gonçalves Dias, mas ele, prezando por sua moral, por
respeito à sua família, partiu para o Rio de Janeiro, sozinho, frustrado... de
coração partido. Em seguida, conheceu Olímpia, com quem se casou. Olímpia foi a
mulher que o ajudou a atravessar os anos. E em São Luís, Ana Amélia,
sentindo-se rejeitada e duplamente magoada por ele não tê-la desposado, seguiu
o mesmo caminho. Casou-se, carregando o fardo de não ter ao seu lado o homem
amado. Certa vez, em uma viagem a Portugal – não sei se por destino ou coincidência –
se reencontraram. A dor e o sofrimento,
estampados nos olhos de Ana Amélia, encheram de arrependimento o coração de
Gonçalves Dias. Sentia-se culpado por não ter ousado fazer o que sua amada
pedira. Seu sofrimento havia multiplicado nesse momento. Desse encontro nasceu
o poema “Ainda uma vez – Adeus!”:
(...) Que me
enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar! (...)
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar! (...)
Com o acúmulo das viagens
de trabalho, com o sofrimento corroendo o seus dias, Gonçalves Dias adoeceu.
Buscou tratamento na Europa, mas teve pouca melhora. Dia 3 de novembro de
1864, o navio em que ele estava a bordo, voltando para o Brasil, naufragou
na baía de Cumã, no Maranhão. O poeta foi o
único a morrer. Estava bastante debilitado e não teve condição física de sair
do seu leito. O Maranhão, o país e Ana Amélia choraram pela morte do poeta. Depois do luto, a vida seguiu o seu
curso.
O tempo passou. Depois de quarenta anos, a sociedade maranhense se preparava para homenagear Gonçalves Dias. O Teatro Arthur Azevedo estava iluminado para uma noite memorável. Gonçalves Dias era um homem fascinante. As lembranças
da história do poeta, querido e admirado, deixaram a noite muito mais bonita. Uma noite luzidia. Havia no ar um cheiro de poesia. O tempo parou para uma viagem ao passado. A inteligência, o romantismo, a
dor e a paixão transbordavam dos poemas lidos. O poema mais esperado da noite foi “Ainda uma vez – Adeus!”. A cada verso, a certeza do amor. E no meio do poema, um som de
soluços ecoou pelo Teatro... um choro que, apesar de discreto, chamou
a atenção. As lágrimas caiam dos olhos de uma mulher. Lágrimas de uma amor guardado. Ana Amélia, já em sua terceira idade, estava lá, calejada pelo tempo, pelas dores e pela vida difícil que tivera. Ao ser identificada, abrilhantou ainda mais a noite. Foi um momento único. Ela disse
que não houve um só dia que não tenha pensado em Gonçalves Dias. Em suas orações, o pedido de perdão pelas mágoas que guardara durante muitos anos. Disse, ainda, que o amor, a
dor e a saudade eram suas constantes companhias. Acreditava que, quando Deus a chamasse,
ela o reencontraria. Havia esperança de ser feliz e de viver além da vida. Contava
com a providência Divina. Vez em quando vou ao Teatro Arthur Azevedo e, olhando para cada canto, é impossível não tentar visualizar a cena. Na Praça Gonçalves Dias, onde há o Largo dos Amores, tenho a mesma sensação. É tudo muito inspirador. Há uma energia deliciosa em cada canto desse lugar.