quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Escravos contemporâneos.

"O único tirano que aceito neste mundo é a voz interior, suave 
e serena." Mahatma Gandhi

Faz algum tempo que estive em Açailândia, município maranhense, participando da "I Jornada de Debates para a Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão”, promovida pela Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado e participação da OIT - Organização Internacional do Trabalho, entre outros participantes. Nesse período, trabalhei nessa secretaria, em cargo de comissão.  Em virtude disso, tive a oportunidade de participar de muitos eventos como esse. A vontade de aprender, de ajudar e a curiosidade me levaram a muitos lugares. Na passagem do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, 28 de janeiro, lembrei-me de todo o aprendizado da Jornada... Lembrei-me de tudo que vivenciei e das histórias assustadoras que ouvi.

Acho estranho falar sobre trabalho escravo no século em que vivemos. A escravidão foi abolida, na época do império, com a Lei Áurea. Mas, lamentavelmente, a escravidão, ainda que não seja a mesma do passado, está entre nós de uma forma mais moderna, dissimulada e silenciosa.  As pessoas são submetidas a uma situação degradante e desumana. A pouca instrução e o analfabetismo contribuem para que eles sejam enganados. Seus documentos são retidos e as dívidas, injustamente, contraídas, os fazem perder a liberdade de ir e vir. Pagam até pelo que deveria ser uma obrigação do empregador. No fim, recebem nada ou quase nada. A verdade, é que essas pessoas pagam para trabalhar. O Maranhão é o 4º estado com maior número de empregadores escravistas. A zona rural é uma região muito traumatizada pelos conflitos e pela violência. Os trabalhadores são tratados como verdadeiros escravos.

As bases do trabalho escravo são os altos lucros gerados pela mão de obra "barata" e a impunidade. Sim, impunidade. Porque a maioria dos empregadores escravistas tem grande influência política e econômica. Sabemos muito bem como isso acontece. É um "molha a mão" aqui, um "molha a mão" ali. Sou totalmente a favor da PEC do trabalho escravo, que expropria terras onde esse tipo de trabalho acontece. A emenda foi aprovada em 2012, mas ainda tramita no Congresso. Acredito no esforço conjunto de todos que lutam para combater esse mal, mas o número de auditores fiscais do trabalho e servidores envolvidos é insuficiente. Quanto mais fiscalização, mais as necessidades serão atendidas. Nos últimos anos, milhares de  pessoas foram libertadas, entretanto, há uma grande dificuldade em punir os "poderosos".  Há, na internet, uma lista suja com 409 nomes de empregadores escravistas. Para eles, tolerância zero.

Sou inquieta com todas as questões que tentam diminuir a pessoa humana. O trabalho não deve degradar o ser humano, mas dignificá-lo. Segundo Gandhi, alguns dos pecados capitais responsáveis pelas injustiças sociais são: Riqueza sem trabalho; comércio sem moral; política sem idealismo; e ciência sem humanismo. É preciso reprimir essas práticas. Não há fórmulas mágicas ou um botão de upgrad para que tudo seja melhorado em um clique, no entanto, para aqueles que, como eu, acreditam, há muito trabalho pela frente. 

Sonho com dias melhores... E, sobretudo, luto por eles. Onde não há tentativas, não há acertos. Lute você também! "O futuro dependerá daquilo que fazemos no presente" Mahatma Gandhi.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Trabalho não é brincadeira...


"A palavra progresso não terá qualquer sentido enquanto 
houver crianças infelizes." Albert Einstein


Passei os últimos três dias na fazenda de um casal de amigos. Natureza, frutas frescas, comida saborosa, banho de rio, pescaria, cavalgada, cheiro de mato, amigos reunidos  e muita cantoria sob o céu estrelado. O acontecimento mais importante foi, ontem, quando decidi dar uma volta com o cavalo.  Passando por uma estrada de piçarra, avistei um menino seguindo na mesma direção.  Ele estava sozinho, carregava uma enxada e um saco. Fiquei incomodada por ver um menino tão pequeno andando sozinho. Apressei os passos do cavalo e cheguei mais perto. No saco, era possível ver uma garrafa (pet), uma vasilha, prato, colher e copo. Ele me olhou, de lado, meio desconfiado. Desci do cavalo e iniciei uma conversa. Seguimos caminhando. Em poucos minutos, percebi, através de sua expressão, uma vida nada fácil. Ele se chama Edson, tem 9 anos, o pai é agricultor, tem 3 irmãos mais velhos, a mãe cuida da casa, mas está doente. O problema maior é que ele não foi à escola em 2012, porque estava trabalhando, na roça, com seu pai. Uma criança de pouca infância. Um menino homem,  cheio de responsabilidades... e sonhos. Sim, falamos sobre sonhos. “Meu sonho é ter um cavalo branco e uma casa com parede de tijolo”. Não sei dizer se o meu passeio terminou nesse momento ou passou a ter sentido a partir dele. Sorte minha, ter passado por aquele lugar.

Pensando no Edson, fico imaginando... Quantos, como ele, existem por aí? Muitos. O trabalho infantil é um grave problema social.  É uma causa significativa do abandono escolar. Segundo pesquisas do IBGE, houve uma redução no número de crianças que trabalham. Mas, ainda há muitas crianças, Brasil afora, substituindo lápis, cadernos, livros, brincadeiras... por enxadas, trabalho urbano... São obrigadas pelos pais, pela pobreza, por terceiros... E, até mesmo, por uma questão cultural. Para muitas famílias, o trabalho agrega valores e pode ajudar no desenvolvimento da criança, do adolescente. Está tudo errado. Lembrando que, ás vezes, o trabalho é forçado e acompanhado de agressões. Isso não agrega nada, além  de traumas. Nesse caso, gera lucro para quem explora e pobreza para o explorado. Sendo, assim, caracterizado como trabalho escravo. Trabalho escravo, outro problema sério. Conheço bem essas duas realidades, porque sou uma eterna incomodada.

O Maranhão é o 4º colocado no ranking nacional da exploração do trabalho infantil. O maior índice é na zona rural. Acredito que, se o número de crianças trabalhando, ainda é muito alto e a redução acontece lentamente, o problema pode estar na execução do programa de erradicação. É preciso focar mais nas famílias. Entender. Convencer. Ajudar. Não queremos resultados "mais ou menos". Não queremos políticas públicas "boazinhas". Queremos mais resultados positivos. Queremos gente comprometida,  gente que faça acontecer, gente que tenha "peito" para alargar os horizontes e enfrentar os senhores do movimento: “Isso nunca mudará”. Não é fácil, mas é possível viver outra realidade. Eu acredito.

Precisamos preparar os adultos do futuro. O primeiro passo, é deixar que as crianças sejam o que devem ser: crianças.  O estatuto é lindo, e pode ser muito mais, se for cumprido.

Quanto ao Edson, tenho absoluta certeza, nos encontraremos outras vezes...